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Sentimentos

Ela canta, pobre ceifeira

Por: Fernando Pessoa

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônim a viuvez,
Ondula com o um canto de ave
No ar lim po com o um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derram a no m eu coração a tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por m im dentro! Tornai
Minha alm a a vossa som bra leve!
Depois, levando-m e, passai!
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Poema enviado em 31/05/2025