O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente!
Trazes um manto comprido
Que não é xaile a valer.
Eu trago em ti o sentido
E não sei que hei de dizer.
Puseste um vaso à janela.
Foi sinal ou não foi nada,
Ou foi p'ra que pense em ti
Que te não importas nada?
O burburinho da água
No regato que se espalha
É como a ilusão que é mágoa
Quando a verdade a baralha.
Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.
Roseiral que não dás rosas
Senão quando as rosas vêm,
Há muitas que são formosas
Sem que o amor lhes vá bem.
Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirão.
Só tenho no pensamento
Que me disseste que não.
Descasquei o camarão,
Tirei-lhe a cabeça toda.
Quando o amor não tem razão
É que o amor incomoda.
Compreender um ao outro
É um jogo complicado.
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado.
Adivinhei o que pensas
Só por saber que não era
Qualquer das coisas imensas
Que a minh'alma sempre espera.
A luva que retiraste
Deixou livre a tua mão.
Foi com ela que tocaste,
Sem tocar, meu coração.
Aquela que tinha pobre
A única saia que tinha,
Por muitas roupas que dobre
Nunca será mais rainha.
O laço que tens no peito
Parece dado a fingir.
Se calhar já estava feito
Como o teu modo de rir.
Tens uns brincos, sem valia
E um lenço que não é nada,
Mas quem dera ter o dia
De quem és a madrugada.
Andei sozinho na praia
Andei na praia a pensar
No jeito da tua saia
Quando lá estiveste a andar.
Trazes os sapatos, pretos
Cinzentos de tanto pó.
Feliz é quem tiver netos
De quem tu sejas avó!
HÁ um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.
A mantilha de espanhola
Que trazias por trazer
Não te dava um ar de tola
Porque o não podias ter.
"Mau, Maria!" — tu disseste
Quando a trança te caía.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Má Maria"' "Má Maria!"
Quando a manhã aparece
Dizem que nasce alegria.
Isso era se Ela viesse.
Até de noite era dia.