O teu cabelo cortado
A maneira de rapaz
Não deixa justificado
Aquele amor que me faz.
Vai longe, na serra alta,
A nuvem que nela toca...
Dá-me aquilo que me falta —
Os beijos da tua boca.
Teus olhos tristes, parados,
Coisa nenhuma a fitar...
Ah meu amor, meu amor,
Se eu fora nenhum lugar!
Puseste a chaleira ao lume
Com um jeito de desdém.
Suma-te o diabo que sume
Primeiro quem te quer bem!
Olha o teu leque esquecido!
Olha o teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, senão não volto!
Duas vezes te falei
De que te iria falar.
Quatro vezes te encontrei
Sem palavra p'ra te dar.
A moça que há na estalagem
Ri porque gosta de rir.
Não sei o que é da viagem
Por esta moça existir.
Eu tenho um colar de pérolas
Enfiado para te dar:
As per'las são os meus beijos,
O fio é o meu penar.
Deste-me um cordel comprido
Para atar bem um papel.
Fiquei tão agradecido
Que inda tenho esse cordel.
Comes melão às dentadas
Porque assim não deve ser.
Não sei se essas gargalhadas
Me fazem rir ou sofrer.
Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
Boca com olhos por cima
Ambos a estar a sorrir...
Já sei onde está a rima
Do que não ouso pedir.
Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.
Velha cadeira deixada
No canto da casa antiga
Quem dera ver lá sentada
Qualquer alma minha amiga.
O teu carrinho de linha
Rolou pelo chão caído.
Apanhei-o e dei-to e tinha
Só em ti o meu sentido.
Eu te pedi duas vezes
Duas vezes, bem o sei,
Que por fim me respondesses
Ao que não te perguntei.
Tu, ao canto da janela
Sorrias a alguém da rua,
Porquê ao canto, se aquela
Posição não é a tua?
A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os lados
E ninguém me vem falar.
Em vez da saia de chita
Tens uma saia melhor.
De qualquer modo és bonita,
E o bonita é o pior.
Caiu no chão o novelo
E foi-se desenrolando.
Passas a mão no cabelo.
Não sei em que estás pensando.