sociedade
A Estrada dos Ipês
Por: Giano Guimarães
1
Abstraí o movimento
Dos carros que passavam
E via na estrada apenas
Os ipês que balançavam
Um mais lindo do que o outro
De tão floridos, brilhavam.
Na época dos ipês
O sol sem pena castiga
Com a terra muito seca
A floresta se afadiga
Mas os ipês ficam lindos
Numa beleza que intriga.
A cada duzentos metros
Um ipê me seduzia
Quase todos amarelos
Eram vida e poesia
Os versos então vieram
Com a beleza que eu via:
Aquela estrada antiga
Muitos eventos já viu
Há muito tempo foi aberta
No interior do Brasil
Levando o tal do progresso
E a dor que a mata sentiu.
2
Nela, sonhos desfeitos
Utopias sufocadas
Amores que nasceram
E muitas lutas travadas
Os ipês testemunharam
Vidas sendo injustiçadas.
Essa estrada sempre abeirou
O Rio que era a própria estrada
Antes dela o Rio era o rei
E a taipoca brilhava
Nos olhos dos navegantes
Na época que estiava.
Quando essa estrada se abriu
Muito pau foi derrubado
As árvores centenárias
Na motosserra e machado
Tiveram fim infeliz
E esse rincão foi mudado.
Castanheira caiu sem dó
Os ipês sem nenhuma pena
Jatobá, cedro e sumaúma
Deram lugar a outra cena
O pasto do gado branco
Deixou a floresta pequena.
3
Essa estrada foi louvada
Recebida com prazer
A região prosperou
Com a estrada dos ipês
Imperatriz virou rainha
E não parou de crescer.
Nessa estrada o meu passo
Foi pisado muito cedo
Desde o passo dos meus pais
Que fugiram em segredo
Assim começou meu mundo
Com esse incomum enredo.
E muito tempo depois
O meu passo encontraria
Pedras, buracos e flores
No balaio da poesia
Foi na estrada dos ipês
Que percebi essa magia.
Essa estrada me levou
Aos caminhos do saber
Aos descaminhos do amor
A melhor me conhecer
Na estrada dos ipês
Eu vivi pra reviver.
4
Nessa estrada viajei
De volta pro meu lugar
Saí de dentro de mim
Para melhor me enxergar
Modifiquei o meu destino
E voltei a me apaixonar.
Realizei a volta ao mundo
Pelas leituras que fiz
Percorrendo esse caminho
De Boa vista a Imperatriz
Nas páginas de bons livros
Eu viajei e fui feliz.
Nas muitas idas e vindas
Por essa estrada comprida
Vi a paisagem mudando
E a terra sendo mexida
Vi a história sendo contada
E muita coisa sendo esquecida.
Nessa vereda veloz
Intensa e às vezes lenta
Estão passando pessoas
Desde os anos sessenta
Desde muito antes
Já passavam desatentas.
5
Por essa estrada feroz
Silenciosa e barulhenta
Passa a modernidade
Que no sertão muito aumenta
Conectando o presente
Que do passado se alimenta.
Os ipês vão resistindo
Vendo essa gente passar
Gente que alimenta as redes
Com o clique do celular
A beleza de um ipê
Captura qualquer olhar.
A estrada desses ipês
Vai passando pela gente
Enquanto a gente passa
Tudo fica diferente
Cada passo percorrido
Fica guardado na mente.
Pela estrada dos ipês
Nossas vidas vão seguindo
Um dia de cada vez
À peleja resistindo
Abraçando a existência
E todo dia insistindo.
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Muita gente nessa estrada
Selou seu próprio destino
Buscando a sobrevivência
Do mal da fome fugindo
Muitos foram pra bem longe
Outros foram desistindo.
Uma estrada amazônica
Que em parte é nordestina
Construída com a força
De cada mão Severina
Que viu a dureza da vida
Se impor como uma sina.
O progresso prometido
Veio, mas nem pra todo mundo
O abismo da desigualdade
Na estrada ainda é profundo
A cada trecho de asfalto
A pobreza está no fundo
São tantas vidas à margem
Nesta estrada severina
Vidas que já não enxergam
A beleza que fascina
Dos ipês que florescem
No horizonte da campina.
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Apesar de muitas pedras
Nesse caminho florido
A vida é renovada
A cada dia nascido
A cada ipê que brota
Um sonho é construído.
Na estrada dos ipês
Vão seguindo os destemidos
Vão seguindo os desolados
E também os desvalidos
Nela vão os afortunados
E aqueles despossuídos.
É uma estrada de amor
De uma gente sonhadora
Que batalha na labuta
Com a mão batalhadora
Enfrentando os desafios
Pra buscar ser vencedora.
8
A estrada dos ipês
Fica entre dois universos
De um lado a realidade
Bem do outro estão meus versos
No meio corre o fluxo
Indo à lugares diversos
Toda vez vou me lembrar
Quando estiver no caminho
Para estrada dos ipês
Deixo os versos de carinho
A estrada do meu olhar
Das flores e dos espinhos.
Finalizo este cordel
Com a mente nessa estrada
Percorrida nos meus versos
Com a imagem congelada
Dos ipês no coração
E no poema eternizada.
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Poema enviado em 08/06/2025