religiao
O dinheiro ou o testamento do cachorro
Por: Leandro Gomes de Barros
1
O dinheiro neste mundo
Não há força que o debande
Nem perigo que o enfrente
Nem senhoria que o mande
Tudo está abaixo dele
Só ele ali é o grande.
Ele impera sobre um trono
Cercado por ambição
O chaleirismo a seus pés
Sempre está de prontidão
Perguntando-lhe com cuidado:
- O que lhe falta, patrão?
No dinheiro tem-se visto
Nobreza desconhecida
Meios que ganham questão
Ainda estando perdida
Honra por meio da infâmia
Gloria mal adquirida
Porque só mesmo o dinheiro
Tem maior utilidade
É o farol que mais brilha
Perante a sociedade
O código dali é ele
A lei é sua vontade.
2
O homem tendo dinheiro
Mata até o próprio pai
A justiça fecha os olhos
A polícia lá não vai
Passam-se cinco ou seis meses
Vai indo, o processo cai.
Compra cinco testemunhas
Que depõem a seu favor
Aluga dois escrivães
E compra o procurador
Faz dois doutores de prata
Pronto o homem, meu senhor!
Ainda que vá a júri
Compra logo atenuante
Dá um unto nos jurados
Se livra no mesmo instante
Tem o juiz a favor
Jurados e assim por diante.
Essas questões muito sérias
Que vão para o tribunal
Ali se exigem papéis
Que levem prova legal
Cédulas de 500 fachos
É o papel principal.
3
Dinheiro dá eloquência
A quem nunca teve estudo
Imprime coragem ao fraco
Dá animação a tudo
Vence batalhas sem arma
Faz vez de lança e escudo.
Aonde não há dinheiro
Todo trabalho é perdido
Toda questão esmorece
Todo negócio é falido
Todo cálculo sai errado
Todo debate é vencido.
Pois o homem sem dinheiro
É como um velho demente
Um gato que não tem unha
Cobra que não tem um dente
Cachorro que não tem faro
Cavalo magro e doente.
Porque perante o dinheiro
Tudo ali se torna mole
Porque não há objeto
Que sob seus pés não role
Bote dinheiro no morto
Que a ossada dele bole!
4
O bacharel por dinheiro
Só macaco por banana
O gato por gabiru
Ou um guaxinim por cana
Só saguim pela resina
Ou bode por jitirana.
A moça tendo dinheiro
Sendo feia como a morte
Caracteriza-se e enfeita-se
Sempre melhora de sorte
Mais de mil aventureiros
A desejam por consorte.
Porque dinheiro na terra
É capa que tudo encobre
Cubra o cachorro com ouro
Que ele tem que ficar nobre
É superior ao dono
Se acaso o dono for pobre.
Eu já vi narrar um fato
Que fiquei admirado
Um sertanejo me disse
Que nesse século passado
Viu enterrar um cachorro
Com honras de potentado.
5
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
- Mim enterra essa cachorra
Inda que gaste um milhão!
Foi ao vigário e disse:
- Morreu cachorra de mim
E urubu do Brasil
Não poderá dar-lhe fim
- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou vigário assim.
- Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: - Ó inglês
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: - O cachorra
Gasta tudo desta vez.
- Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou!
Antes do inglês findar
O vigário suspirou:
6
- Coitado!, disse o vigário
De que morreu este pobre?
Que animal inteligente
Que sentimento tão nobre
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre!
- Leve-o para o cemitério
Que o vou encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar!
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente
Teve momento o enterro
Missa de corpo presente
Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
7
Mandou chamar o vigário
Pronto, o vigário chegou:
- Às ordens, sua excelência!
O bispo lhe perguntou:
- Então que cachorro foi
Que Seu vigário enterrou?
- Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou a Vossa Excelência
Dois contos de réis em ouro
Se errei, tenha paciência!
- Não foi erro, Seu vigário
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador
Um cachorro como este
Já vê que é merecedor!
- O meu informante disse
Que o caso tinha se dado
E eu julguei que isso fosse
Um cachorro desgraçado
Ele lembrou-se de mim?
Não o faço desprezado!
8
O vigário entregou-lhe
Os dois contículos de réis
O bispo disse: - É melhor
Do que diversos fiéis
E disse: - Provera Deus
Que assim lá morressem uns dez!
- E se não fosse o dinheiro?
A questão ficava feia
Desenterrava o cachorro
O vigário ia pra cadeia
Mas como o cobre correu
Ficou qual letras na areia!
Judas era homem santo
Pregava religião
Era discípulo de Cristo
Tinha toda direção
Porém por trinta dinheiros
Dispensou a salvação!
O dinheiro só não pode
Privar do dono morrer
Para o vento no ar
E proibir de chover
O resto se torna fácil
Para o dinheiro fazer.
9
O sacerdote no templo
Inda estando no sermão
Chega um ateu na igreja
Traga-lhe meio milhão
Que ele vai encontrá-lo
Bota-o na palma da mão.
Havendo muito dinheiro
Casa-se irmã com irmão
O bispo dispensa um quarto
Vai ao papa outro quinhão
O vigário dá-lhe o unto
E por que não casam então?!
FIM
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Poema enviado em 24/05/2025