Teu olhar não tem remorsos
Não é por não ter que os ter.
É porque hoje não é ontem
E viver é só esquecer.
Rezas porque outros rezaram,
E vestes à moda alheia...
Quando amares vê se amas
Sem teres o amor na idéia.
Há dois dias que não vejo
Modo de tornar-te a ver:
Se outros também te não vissem,
Desejava sem sofrer.
Deste-me um adeus antigo
À maneira de eu não ser
Mais que o amigo do amigo
Que havia de poder ter.
Dor no coração
Minha boca em silêncio
Minha mente não.
Fomos passear na quinta,
Fomos à quinta em passeio.
Não há nada que eu não sinta
Que me não faça um enleio.
Fizeste molhos de flores
Para não dar a ninguém.
São como os molhos de amores
Que foras fazer a alguém.
O coração é pequeno,
Coitado, e trabalha tanto!
De dia a ter que chorar,
De noite a fazer o pranto ...
Leve vem a onda leve
Que se estende a adormecer,
Breve vem a onda breve
Que nos ensina a esquecer.
Quem te deu aquele anel
Que ainda ontem não tinhas?
Como tu foste infiel
A certas idéias minhas!
Essa costura à janela
Que lhe inclinou a cabeça
Fez-me ver como era dela
Que o coração tinha pressa.
Viraste-me a cara quando
Ia a dizer-te, à chegada,
Que, se voltasses a cara,
Que eu não me importava nada.
Quando agora me sorriste
Foi de contente de eu vir,
Ou porque me achaste triste,
Ou já estavas a sorrir?
Tenho um desejo comigo
Que hoje te venho dizer:
Queria ser teu amigo
Com amizade a valer.
Tem A filha da caseira
Rosas na caixa que tem.
Toda ela é uma rosa inteira
Mas não a cheira ninguém.
"Mau, Maria!" — tu disseste
Quando a trança te caía.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Má Maria"' "Má Maria!"
A roda dos dedos juntos
Enrolaste a fita a rir.
Corações não são assuntos
E falar não é sentir.
Eu vi ao longe um navio
Que tinha uma vela só,
Ia sozinho no mar...
Mas não me fazia dó.
Quando há música, parece
Que dormes, e assim te calas,
Mas se a música falece,
Acordo, e não me falas.
Lavas a roupa na selha
Com um vagar apressado,
E o brinco na tua orelha
Acompanha o teu cuidado.