Cortaste com a tesoura
O pano de lado a lado.
Porque é que todo teu gesto
Tem a feição de engraçado?
Leve sonho, vais no chão
A andares sem teres ser.
És como o meu coração
Que sente sem nada ter.
Ouvi-te cantar de dia.
De noite te ouvi cantar.
Ai de mim, se é de alegria!
Ai de mim, se é de penar!
Quando tiraste da cesta
Os figos que prometeste
Foi em mim dia de festa,
Mas foi a todos que os deste.
Trazes a rosa na mão
E colheste-a distraída...
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?
Andei sozinho na praia
Andei na praia a pensar
No jeito da tua saia
Quando lá estiveste a andar.
Menina de saia preta
E de blusa de outra cor,
Que é feito daquela seta
Que atirei ao meu amor?
Nuvem que passas no céu,
Dize a quem não perguntou
Se é bom dizer a quem deu:
"O que deste, não to dou."
Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
Teus brincos dançam se voltas
A cabeça a perguntar.
São como andorinhas soltas
Que inda não sabem voar.
As gaivotas, tantas, tantas,
Voam no rio pro mar...
Também sem querer encantas,
Nem é preciso voar.
A senhora da Agonia
Tem um nicho na Igreja.
Mas a dor que me agonia
Não tem ninguém quem a veja.
Dos tantos abraços que existem
Quero de cada um a experiencia
Pois nada melhor que um abraço
Para combater a carência.
Nunca dizes se gostaste
Daquilo que te calei.
Sei bem que o adivinhaste.
O que pensaste não sei.
Quando ela pôs o chapéu
Como se tudo acabasse,
Sofri de não haver véu
Que inda um pouco a demorasse.
Dá-me um sorriso a brincar,
Dá-me uma palavra a rir,
Eu me tenho por feliz
Só de te ver e te ouvir.
Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.
Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu.
Dias são dias, e noites
São noites e não dormi...
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.
O que sinto e o que penso
De ti é bem e é mal.
É como quando uma xícara
Tem o pires desigual.